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Bonsai, o livro-miniatura

O chileno Alejandro Zambra define bonsai:  “é uma réplica artística de uma árvore em miniatura.” E é assim que ele enxerga os livros, a literatura, o ato de escrever – quer fazer uma réplica artística de um livro em miniatura, com a mesma técnica de um bonsai: moldando, dando forma. Procura a harmonia entre a história e a linguagem e rega a narrativa com referências literárias aqui e ali. Sugere uma inspiração tirada de Vila-Matas, que já abreviou a história da “Literatura Portátil” e recheou o romance com um impressionante repertório de autores e artistas.

Em Bonsai, as referências são mais modestas e aparecem, sobretudo, nas leituras dos personagens, um casal recluso, talvez deprimido, que devora romances. Julio e Emilia vivem uma história de amor literária. Eles leem clássicos, dialogam sobre adaptações hipotéticas contemporâneas dos personagens das obras e sofrem reviravoltas como se enxergassem nos livros o reflexo da própria imagem. É quando leem Tantalia, conto de Macedonio Fernández, que se veem refletidos com mais detalhes do que poderiam suportar. A história de um casal que compra uma planta para simbolizar o amor; uma planta que morre e mata o amor. O suficiente para desfazer um casal que até então só carregava uma única mentira: diziam já ter lido Marcel Proust. Em um momento, chegam a experimentar juntos a leitura (que os dois fingem ser uma releitura) de Em Busca do Tempo Perdido. Mas eles querem uma experiência distante da convencional. “Como eram inteligentes, passaram ao largo dos episódios que sabiam ser célebres: o mundo se emocionou com isso, eu vou me emocionar com outra coisa.”

Zambra parece querer aplicar esse recurso em sua obra. Todo mundo se emociona com o fim dos livros, por que não fazer com que se emocionem pelo começo? O início é o ponto alto de Bonsai.  A primeira frase obriga o leitor a mudar de perspectiva e de expectativa. “No final ela morre e ele fica sozinho.” Desmonta nossa experiência tradicional de leitura, com uma fórmula de começo, meio e fim – nessa ordem – e cria suposições sobre o meio da história, uma vez que o final já é sabido. O início, de inegável originalidade (não à toa Zambra é um dos nomes badalados da atual literatura latino-americana), escancara uma das questões que permeiam a narrativa – como lidar com o fim e com a consciência do fim. O autor garante que não é fácil. “Não é porque se sabe de uma coisa que se pode impedi-la, mas há ilusões.”

As ilusões são fundadas na falsa simplicidade. Alejandro Zambra contrapõe, de um lado, uma linguagem simples (que, na verdade, sofistica a leitura), com algumas frases que beiram a ingenuidade infantil – e nos lembram como é difícil reduzir as experiências à simplicidade; de outro, a metáfora de que, como em um bonsai, a simplicidade é aparente – tudo nessa história e nas histórias que ela conta é mais complexo do que parece. Assim como escrever.

A simplicidade é quase uma obsessão em Bonsai. E aí mora o problema. Na miniaturização da narrativa, o leitor, que joga a expectativa no meio da história, nos desdobramentos que levaram ao já conhecido final, sai com as mãos meio vazias. O livro ficou sem meio, sem preenchimento. Não comove como história, apesar de valer a experiência literária. A parte meio cheia das mãos do leitor é a herança que fica: a suposição de que ninguém na história é mais feliz por saber o fim, a possibilidade de sempre voltar ao começo e a promessa de que essa é só a estreia de Alejandro Zambra.

Bonsai, de Alejandro Zambra. Tradução de Josely Vianna Baptista. Editora Cosac Naify, 91 páginas.

Texto originalmente publicado em 05 de dezembro de 2012.

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Gabriela Mayer

Uma das fundadoras da Rádio Guarda-Chuva e uma das apresentadoras do podcast Café da Manhã, da Folha de S. Paulo. Também é colunista de literatura e gênero da revista AzMina e colabora como crítica para veículos como a própria Folha e a revista Quatro cinco um.

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