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Textos

Flores, de Mario Bellatin

A normalidade não é daqui. Se é que ela existe. Nas páginas escritas pelo mexicano Mario Bellatin, o valor está naquilo que foge do esperado. Nascido sem o braço direito por conta do uso da talidomida pela mãe durante a gravidez, o autor traz para Flores o tema da deformação e da má-formação. O enfoque físico nas histórias, no entanto, não descarta a compreensão de sentimentos, caráter e percepções amorfos. A deformidade está, inclusive, no olhar que lançamos ao extraordinário. “Quem quer que tivesse visto aquelas cenas pensaria que um estranho prazer tomava conta da senhora Henriette Wolf no momento de descrever as possíveis causas das mutações no gênero humano.”

No livro, os breves capítulos têm nome de flores e sugerem a contemplação. Está lançado o desafio, já que ninguém nos ensina a contemplar o que está fora da nossa superestimada concepção de normal. As partes podem ser lidas de forma independente, como pequenos contos.

Há personagens que se repetem, entre eles o médico e a enfermeira que trabalham para um laboratório e avaliam se pessoas com más-formações merecem ser indenizadas por terem sido vítimas de um medicamento ou se nunca fizeram uso do remédio e buscam apenas uma forma de ganhar dinheiro. “Houve comoção nos hospitais, que da noite ara o dia viram aumentar de maneira inusitada o número de recém-nascidos anormais. Arriscaram-se algumas hipóteses, quase sempre relacionadas às sequelas da energia atômica. O referente mais próximo foram as crianças de Hiroshima.”

Repete-se também nos contos o silêncio. Não é o vazio, já que é sempre denso, mas é uma ausência de respostas. A inadequação, o desconforto, os constrangimentos que criam o cenário de respiração suspensa e palavras insuficientes. O leitor vai ser convidado a olhar o outro como um espelho e o desnorteio vai ser o mesmo de quando, após um longo incômodo, notamos que nós é que estamos fora de lugar.

No fim, não há necessidade de desapego, já que o apego não terá aparecido: tão breves, as histórias não nos permitem aproximação suficiente com os personagens. Mas o estranhamento fica, a sensação de que esquisito mesmo é o jeito que temos aprendido a olhar para o mundo. Bellatin nos sugere o questionamento e a filosofia. “(…) Alba, a Poeta, postou-se diante do berço de barras de metal destinado aos gêmeos e repetiu de forma incessante seu próprio nome. Com essa conduta, não conseguiu senão que os meninos a olhassem, sem entenderem realmente o que procurava neles.”

Flores, de Mario Bellatin. Tradução de Josely Vianna Baptista. Cosac Naify, 77 páginas.

*Texto publicado originalmente em 17 de maio de 2016.

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Gabriela Mayer

Uma das fundadoras da Rádio Guarda-Chuva e uma das apresentadoras do podcast Café da Manhã, da Folha de S. Paulo. Também é colunista de literatura e gênero da revista AzMina e colabora como crítica para veículos como a própria Folha e a revista Quatro cinco um.

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