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Histórias reais

A arte por trás da obra de Sophie Calle é a performance. Seja na mistura de linguagens, na alternância de identidades ou na ousadia das propostas, a autora está presente, alternando a condução e a libertação do leitor.

Histórias Reais une duas linguagens narrativas, o texto e a fotografia. Combinadas e aliadas ao tom de diário da literatura, o leitor tem a autora nas mãos. “Estava apaixonada, mas ele decidiu me deixar. Para amenizar a ruptura, ele propôs uma viagem de despedida de uma semana em Sevilha. Gostei da ideia, embora me parecesse dolorosa.” É a experiência íntima e pessoal compartilhada com cada um de nós, em pequenos blocos de texto ao longo das páginas. Sophie Calle relata suas pequenas histórias (são no máximo vinte linhas) de forma profunda e direta.

Imagem e texto ora se complementam, ora se anulam (como quando as palavras sugerem o que há de mais pessoal e privado, e a foto retrata o mais puro anonimato). Mas juntos é como se dissessem que a mensagem nunca está completa; por mais que linguagens se unam, há um vazio que nunca poderá ser preenchido apenas pelo autor. É a primeira pista de que talvez tudo não passe de um jogo de adivinha de delimitação de espaços, e o que define as fronteiras é a ficção.

A cada página virada, conforme encena a própria vida, Sophie Calle aparece mais despida e mais vulnerável. Como nas exposições das fotografias que a autora – originalmente fotógrafa – faz ao redor do mundo, quem olha/lê fica envolvido e, em certa medida, perturbado. Quer ir cada vez mais fundo na história, mas o que recebe é apenas uma pitada. O resto fica a cargo da imaginação e da interpretação da performance artística que está no livro.

As imagens seduzem ao sugerirem um atestado para o título, como se fossem as fotos prova de que as histórias ali impressas são reais, não importa quão absurdas. Alfinetada discreta na convicção de objetividade que nos sopra ao pé do ouvido que o que enxergamos é o que é.

Histórias Reais, Sophie Calle. Tradução de Hortencia Santos Lencastre. Agir, 83 páginas.

*Texto publicado originalmente em 11 de março de 2014.

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Gabriela Mayer

Uma das fundadoras da Rádio Guarda-Chuva e uma das apresentadoras do podcast Café da Manhã, da Folha de S. Paulo. Também é colunista de literatura e gênero da revista AzMina e colabora como crítica para veículos como a própria Folha e a revista Quatro cinco um.

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