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Pra você não se perder no bairro, de Patrick Modiano

Finalmente fiz minha estreia com o Nobel de Literatura de 2014. Não conhecia a obra de Modiano e Pra você não se perder no bairro foi o primeiro livro dele a chegar à minha estante. Uma obra curta, breve, direta.

Jean Daragane é um escritor sexagenário avesso à convivência, mas é obrigado a se confrontar com o outro depois que um desconhecido o contata para devolver uma caderneta de endereços e telefones que pertence ao protagonista.

O homem insiste com perguntas sobre alguns dos nomes que aparecem no livreto (eles estariam relacionados a um suposto crime), mas Daragane repete com veemência que não os conhece – depois ele já não tem tanta certeza assim. “Por que pessoas que você nem imaginava existirem, com quem cruzou uma vez e nunca mais irá rever, cumprem, nos bastidores, um papel importante na sua vida? Pois graças a esse sujeito ele conseguira reencontrar Annie.”

A história faz o escritor viajar à infância. Ele exuma partes do passado que nem sequer sabia existirem. O leitor acompanha a névoa das reminiscências serem afastadas e descobre, junto com o protagonista, que a amnésia muitas vezes é proposital, recurso de sobrevivência.

O livro beira uma investigação. Daragane quer esclarecer a possibilidade de ter havido um crime – do qual ele, inclusive, pode ter sido a vítima – e ao mesmo tempo quer desvendar a própria identidade. “Sorriu para Daragane, um sorriso um tanto irônico, e Daragane sorriu também ao pensar que aquele homem de cabelos brancos curtos, de porte militar, e sobretudo com um olhar azul mais franco, fora – como ele mesmo dizia – o seu vizinho mais próximo.”

De um lado, é uma história de versões; cada um conhece um lado, uma sombra, um reflexo. Por outro, é uma narrativa que evoca memórias, zonas cinzentas da nossa existência; as lembranças podem até ter existido puras e intactas, mas sofrem modificações a cada vez que são revisitadas – ou em partes esquecidas. Comum aos dois lados? A dúvida. Modiano não parece ser um autor pra quem procura respostas. “Passados quinze anos, Daragane já não tinha certeza quanto à cor daquele carro. Bege? Sim, certamente.”

Pra você não se perder no bairro, de Patrick Modiano. Tradução de Bernardo Ajzenberg. Rocco, 142 páginas.

*Texto publicado originalmente em 2 de fevereiro de 2016.

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Gabriela Mayer

Uma das fundadoras da Rádio Guarda-Chuva e uma das apresentadoras do podcast Café da Manhã, da Folha de S. Paulo. Também é colunista de literatura e gênero da revista AzMina e colabora como crítica para veículos como a própria Folha e a revista Quatro cinco um.

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