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O Sumiço, de Georges Perec

Eis um livro para ser lido mais de uma vez, praticamente impossível captar todo seu potencial de primeira. Por isso, esse texto vai se ater a informações mais gerais. Tendo sido minha primeira leitura de O Sumiço e minha estreia com Georges Perec, não me arriscaria a tentar esmiuçá-lo. Consigo entender por que o livro demorou quase cinco décadas para chegar ao Brasil.

Georges Perec era membro da Oulipo, Ouvroir de Littérature Potentielle (Oficina de Literatura Potencial), uma corrente que mistura regras da literatura e da matemática na criação das obras. O grupo nasceu na década de 1960, mas se reúne até hoje, semanalmente, na Biblioteca Nacional de Paris. Os autores propunham restrições, ordenações ou adições lógicas na forma narrativa, criando regras a serem seguidas ao longo dos textos. Saber disso ajuda a entender por que Perec usou um lipograma, quando uma letra é suprimida, em O Sumiço.

Publicada em 1969, a obra virou um marco da chamada literatura experimental, da qual Perec era nome de destaque. O autor escreveu O Sumiço, as mais de 250 páginas, sem usar a letra E, a vogal mais presente na língua francesa.

Foram oito anos de trabalho do tradutor, Zéfere, para verter o livro ao português. Ele explica ao leitor que manteve a ausência do E para se aproximar do original e que, apesar de ser a segunda vogal mais usada no nosso idioma, não fica muito atrás do A, favorita dos lusófonos (é só parar pra pensar o quanto usamos o E em palavras básicas do nosso idioma. Cogitei escrever essa resenha sem a vogal; desisti na primeira linha). Jogos de palavras, estrangeirismos e sinônimos pouco usuais são os recursos para evitar a aparição do E.

A ausência do E é também imprescindível para o enredo. A vogal desaparece para compor a forma, mas sua desaparição também faz parte da história. O sumiço de um personagem, Antoin Vagol, está relacionado à desaparição da letra. Em um texto difícil e que, no início parece não fazer sentido algum, as ausências vão ficando claras – mais pelo que não está escrito do que pela sequência de eventos.

Apesar de não ser dito, de não estar impresso, o E é evocado recorrentemente no livro. Desde o personagem que agoniza ao tentar dizer uma palavra que o contém, até alusões matemáticas e gráficas, que – confesso – só notei depois de ler comentários do tradutor e análises da obra.

O Sumiço convida a pensar na língua, nas letras, nas palavras. É interessante imaginar o processo para criar e, depois, o processo para traduzir um livro como este. Sobre a tradução, sugiro a leitura dessa entrevista com Zéfere, publicada na revista Cult, em que ele diz o que se perdeu, o que ficou , o que faltou e o que sobrou.

Para entender mais sobre a Oulipo, indico esse texto do jornal britânico The Guardian, que sugere que as regras duras na escrita propostas pela Oficina na verdade libertam a literatura.

O Sumiço, Georges Perec. Tradução de Zéfere. Autêntica, 256 páginas.

*Texto publicado originalmente em 9 de agosto de 2016.

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Gabriela Mayer

Uma das fundadoras da Rádio Guarda-Chuva e uma das apresentadoras do podcast Café da Manhã, da Folha de S. Paulo. Também é colunista de literatura e gênero da revista AzMina e colabora como crítica para veículos como a própria Folha e a revista Quatro cinco um.

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