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No mar, de

Um comprimido anti-enjoos vai bem, porque a viagem é nauseante. O leitor está a bordo do Ishmael, um pequeno veleiro vermelho que parte da Dinamarca para chegar em casa, na Holanda, depois de atravessar o Mar do Norte. Embarcados estão o pai, em um período sabático, e a filha, uma menina de sete anos já familiarizada com rádios, radares, cabos e mastros.

Donald é um homem na casa dos 40 anos, que há 15 trabalha na mesma empresa. Não atrasa, não erra, não muda. E desanima. Quando tudo perde o sentido, só o mar parece oferecer algum conforto. Para ele, que é também o narrador, o percurso começou bem antes do que o leitor vai acompanhar. O trecho em que tem a companhia da filha é apenas o último de uma viagem que teve início há três meses. A esposa, avessa às ondas, ficou em terra e deve encontrá-los no destino final. “Ela entregou a filha a mim, seu marido. Entregou seu bem mais precioso a alguém em quem confia, mas que também não sabe antecipadamente como tudo vai terminar, pai e filha juntos no mar.”

As angústias e os questionamentos que Donald compartilha com quem vira as páginas são justamente sobre a paternidade. A insegurança de deixar um espaço vazio, os medos de adulto que não podem contaminar as crianças e o papel de comandante da própria vida são algumas das ondas fortes que fazem o veleiro balançar. A cada chacoalhão, um punhado de aflições surge na superfície. E quando a filha desaparece do barco de um jeito inexplicável, fica claro que a possibilidade de ser engolido pela água salgada não é só literal, ainda que também o seja. “Tinha lido uma história sobre velejadores que, num dia quente, sem vento, foram nadar em alto-mar, mas esqueceram de baixar a escada. Eles nunca mais conseguiram voltar a bordo.”

No Mar acaba de ser lançado no Brasil e é a primeira obra de ficção do jornalista holandês Toine Heijmans, que consegue nos transportar para a exata sensação de não ter terra à vista. Quando o leitor percebe que há algo errado na viagem, a torcida é só para que esse Ishmael seja como aquele que o inspirou, saído de Moby Dick: o sobrevivente. Estar no mar é uma luta pela liberdade, apesar de parecer uma porta para ela. O infinito de água nos aprisiona dentro de nós mesmos. Chegar em casa é como olhar no espelho. E entender o que fomos e somos – ou não entender nada.

No Mar, de Toine Heijmans. Tradução de Mariângela Guimarães. Cosac Naify: 157 páginas.

*Texto publicado originalmente em 11 de agosto de 2015.

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Gabriela Mayer

Uma das fundadoras da Rádio Guarda-Chuva e uma das apresentadoras do podcast Café da Manhã, da Folha de S. Paulo. Também é colunista de literatura e gênero da revista AzMina e colabora como crítica para veículos como a própria Folha e a revista Quatro cinco um.

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