Quando acabei de ler a terceira parte de 1Q84, corri para a minha estante em busca de outro livro de Murakami. Não para me consolar por ter chegado ao fim, mas para lembrar por que ele conquistou um espaço privilegiado na minha prateleira. Foi pelo mesmo motivo que corri para a livraria e li às pressas o último lançamento do autor japonês, O Incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de Peregrinação. Queria ter certeza de que o bom e velho Murakami, que conheci em Norwegian Wood, não tinha ido embora. Ufa! Tá tudo bem.
Quem quiser relembrar, o Põe na Estante já publicou as resenhas dos livros 1 e 2. No último trecho da trilogia, a narrativa continua centrada em Tengo e Aomame, com capítulos que alternam os passos de um e de outro. Os protagonistas estão cada vez mais próximos e a expectativa do leitor é quanto ao momento em que eles vão realmente se encontrar – se é que vão. Ao mesmo tempo, avançam as investigações sobre a morte do Líder, homem que estava à frente do secreto grupo religioso Sakigake, controlado pelo Povo Pequenino.
O mundo ainda é a dimensão paralela no qual se desenrola a trama, uma alternativa ao ano de 1984. Uma realidade cada vez mais parecida com o romance Crisálida do Ar, escrito por Fukaeri, uma menina de 17 anos, e reescrito por Tengo para ser publicado. As fantasias das páginas passam a se concretizar. As duas luas continuam no céu. “As pessoas acham que Crisálida de ar é apenas uma história de fantasia (…). Fantasia inocente, escrita por uma garota do colegial. Para falar a verdade, alguns a criticaram, dizendo que a história era surreal demais. Ninguém desconfiou que o livro ocultava algum segredo importante ou revelava alguma informação concreta em sua página.”
Personagens secundários ganham algum espaço significativo no terceiro livro, como o investigador Ushikawa. Com a missão de desvendar o assassinato do Líder, ele passa a perseguir Aomame, sua principal suspeita. E apesar de apostar em figuras menos profundas, Murakami segue investindo na humanidade dos personagens, nas minúcias da rotina – inclusive quando o desinteresse e o tédio predominam. “Sua rotina era acordar às seis e meia e tomar um café da manhã bem simples. Depois, levava cerca de uma hora para lavar e passar as roupas ou limpar o chão. Uma hora e meia antes do almoço, exercitava vigorosamente o corpo de modo eficiente e concentrado, utilizando os aparelhos enviados por Tamaru (…).”
No livro 3 de 1Q84, Murakami continua mestre em prender o leitor. A trama é inegavelmente original e a construção da narrativa é sedutora. O suspense nos leva às últimas páginas. Queremos respostas. A frustração é chegar lá e não tê-las. A sensação de que não se foi a lugar algum. Ao menos nisso o autor mantêm a identificação entre sua obra e a vida do leitor: no fim, não há grandes acontecimentos, nem reviravoltas, nem frases de efeito. No fim, não há coisa alguma. Nada mais real.
1Q84 – Livro 3, de Haruki Murakami. Tradução de Lica Hashimoto. Alfaguara, 469 páginas.
*Texto publicado originalmente em 13 de janeiro de 2015.