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Da poeta ao inevitável

No canto esquerdo da minha estante, há um nicho exclusivo para os novos autores. Escritores estreantes que prometem perpetuar a boa literatura. Muitos deles compartilham comigo a profissão – devem ter escolhido o jornalismo porque já sabiam que tinham algo dizer. E a melhor parte de ler alguém pela primeira vez é não saber o que esperar. Somos conquistados por gratas surpresas. Foi assim com Da Poeta ao Inevitável (PS: Entres Mins, El_s e Seis Deusas), da jornalista Maria Giulia Pinheiro.

Cada pedaço do título nomeia um dos grupos de poemas que compõem a obra. Os primeiros textos são amor, sensualidade e sexo, tudo com muita intensidade, do tipo que deixa marcas na pele e na alma, sem controle e sem palavras medidas. Mas está mais ao fim do livro o que ressoa com mais força – em Entre Mins e El_s.

Em Entre Mins há mensagens muito íntimas, desabafos cheios de subjetividade, confidências sobre o que se fez, o que não se fez e o que se acreditou ter feito, como numa análise demorada no espelho em que nos pegamos tentando identificar de onde vem cada pedacinho. Conversas da autora com ela mesma, com a vida e com o universo.

“Me ensina a dançar todo dia,
que não aguento ter de renascer
cada manhã.
Meus tropeços sempre novos e sozinhos
são tristes, Deus,
e queria tanto que fossem dança,
que flutuassem nas mãos de alguém.

(…) Me tira pra dançar, Deus,
que já não suporto
meu solo.”

Em El_s, o olhar da escritora aponta para fora, não mais para dentro. O diálogo com o mundo e com o universo sobe o tom, fica mais firme: resultado de um posicionamento que vem de uma convicção racional, não mais emocional. Soa como bronca. É político, é feminino, é feminista. Estão ali os gêneros, a violência, o aborto, a concepção e outras profundezas do tecido social que engolimos em silêncio.

Mas se algo não tem destaque em Da Poeta… é justamente o silêncio. Pode-se pecar por falar demais e sem jeito, mas não por ficar quieto. Opiniões fortes demais para isso. Uma obra de quem fala por si e pela outra, mas que também sabe ouvir. Não há silêncios, mas há espaços. Vazios que podem ser preenchidos pelo outro, como se a autora dissesse que está disposta para o mundo – sobretudo, eu diria, para o debate.

Da Poeta ao Inevitável (PS: Entre mins, El_s e Seis Deusas), Maria Giulia Pinheiro. Patuá, 168 páginas.

*Texto publicado originalmente em 10 de abril de 2014.

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Gabriela Mayer

Uma das fundadoras da Rádio Guarda-Chuva e uma das apresentadoras do podcast Café da Manhã, da Folha de S. Paulo. Também é colunista de literatura e gênero da revista AzMina e colabora como crítica para veículos como a própria Folha e a revista Quatro cinco um.

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